O diabetes mellitus (DM) é uma doença complexa e multifatorial que consiste em um distúrbio metabólico caracterizado por elevação persistente dos níveis de glicose, decorrente da deficiência na produção de insulina e/ou na sua ação. O DM tipo 2 (DM2) é o subtipo mais frequente correspondendo a 90-95% dos casos. A maioria dos pacientes apresentam outras condições que aumentam o risco cardiovascular como dislipidemia, hipertensão e obesidade. 1
A Organização Mundial de Saúde já considera o DM uma epidemia em escala global. Atualmente, cerca de 9,3% da população mundial com 20 a 79 anos de idade, vive com diabetes e projeções apontam que este percentual pode chegar a 10,9% em 2045. O Brasil é o 5o dentre os 10 países com maior número de pacientes portadores de diabetes. 2
O DM descompensado está associado a maior risco de complicações ao longo da vida que podem acometer grandes vasos (macrovasculares) e pequenos vasos (microvasculares). Dentre os danos macrovasculares, o infarto agudo do miocárdio, a insuficiência cardíaca, o acidente vascular cerebral e a doença arterial obstrutiva periférica são as principais causas de óbito em pacientes portadores de DM. Os danos microvasculares geralmente acometem os nervos periféricos (neuropatia), os rins (nefropatia) e a retina (retinopatia). Tais complicações geram aumento considerável dos custos diretos e indiretos em saúde, impactam negativamente a qualidade de vida e aumentam de forma significativa a morbidade e mortalidade destes indivíduos. 3
Neste cenário de prevalência crescente, o controle do diabetes e das suas complicações passou a ganhar ainda mais importância e atenção, além de ter se tornado objeto de muitas pesquisas. Desde 2008, as agências regulatórias passaram a exigir estudos de segurança cardiovascular para liberação de novas drogas para o tratamento do DM. A partir de então, para além da segurança, duas classes de drogas apresentaram resultados animadores, apontando claro benefício clínico com redução significativa de mortalidade, redução dos desfechos cardiovasculares e redução da progressão da doença renal relacionada ao diabetes. As duas classes de drogas são os inibidores dos cotransportadores de sódio e glicose do tipo 2 (ISGLT2) e os análogos do peptídeo semelhante a glucagon 1(GLP-1).
Os ISGLT2 inibem a reabsorção de glicose pelo rim causando excreção de glicose na urina. Desta forma, esta classe exerce efeito sobre o controle glicêmico independentemente da ação da insulina. Outros dois efeitos adicionais relevantes estão relacionados à sua ação diurética e consequente redução dos níveis da pressão arterial, e de discreta perda de peso. Por aumentar a excreção urinária de glicose, o uso dos ISGLT2 está associado a aumento do risco de infeção do trato urinário e infecção genital. Pacientes idosos e já em uso de diuréticos devem ser monitorizados devido ao risco de hipotensão.
No mercado brasileiro, as representantes disponíveis desta classe são a dapagliflozina, empagliflozina e canagliflozina, administradas por via oral em dose única diária. Três grandes ensaios clínicos randomizados e controlados avaliaram o uso destas drogas em pacientes portadores de DM2 e alto risco cardiovascular. 4,5,6 Os estudos demonstraram que o uso das três drogas resultou em diminuição de internação por insuficiência cardíaca e redução da progressão para insuficiência renal terminal e proteinúria naqueles com insuficiência renal leve a moderada. Apenas os estudos com a empagliflozina e a canagliflozina 4,5 demonstraram redução do desfecho composto principal estudado (morte cardiovascular, infarto não-fatal e acidente vascular cerebral não-fatal). Uma explicação plausível para a ausência de redução significativa dos desfechos primários no estudo da dapagliflozina pode estar relacionada ao perfil de mais baixo risco cardiovascular dos pacientes estudados quando comparados ao perfil de risco dos pacientes dos dois outros estudos. 6
Recentemente, duas novas pesquisas analisaram o efeito da dapagliflozina e da empagliflozina em pacientes portadores de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. As duas drogas foram capazes de reduzir de forma significativa a ocorrência de piora da insuficiência cardíaca e morte cardiovascular comparada ao placebo, independentemente da presença de diabetes. 7,8
A classe dos análogos de GLP-1 é composta por drogas que mimetizam a ação das incretinas, hormônios intestinais liberados em resposta à ingestão alimentar. O GLP-1 é uma das incretinas mais importantes para o controle da glicemia e age estimulando a secreção de insulina dependente da ingestão de glicose por via oral, assim, apresenta baixo risco de hipoglicemia, mesmo em pacientes não diabéticos. Os análogos de GLP-1 reduzem os níveis de glicemia, aumentam a saciedade, reduzem o apetite e retardam o esvaziamento gástrico. Desta forma, são drogas também eficazes e aprovadas para o tratamento da obesidade. 9
No Brasil, os análogos de GLP-1 disponíveis são: liraglutida, dulaglutida e semaglutida, todos injetáveis. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou a semaglutida oral para o mercado brasileiro em outubro de 2020, mas a droga ainda não está disponível. A liraglutida é administrada diariamente por via subcutânea enquanto a dulaglutida e semaglutida, semanalmente. Os efeitos colaterais mais comuns são náuseas, vômitos e diarreia, entretanto, costumam ser efeitos transitórios. A dose deve ser aumentada de forma progressiva conforme tolerância para que tais efeitos sejam minimizados. Na prática clínica, para alguns pacientes, o custo elevado e a via de administração injetável ainda são limitantes para o uso a longo prazo. Os estudos de segurança cardiovascular com as três drogas também reduziram desfechos cardiovasculares compostos, como infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte cardiovascular em pacientes diabéticos e com doença aterosclerótica estabelecida. A liraglutida e a semaglutida também reduziram a evolução para nefropatia grave e piora da proteinúria em subanálises dos estudos. 10,11,12
Os resultados robustos dos estudos publicados mudaram o paradigma do tratamento do DM2. Os guidelines atuais passaram a estratificar o risco cardiovascular dos pacientes e a priorizar o uso destas duas classes de drogas naqueles com alto risco cardiovascular, insuficiência cardíaca e disfunção renal, independente dos níveis de hemoglobina glicada. É importante salientar que as demais classes de drogas disponíveis no Brasil oferecem segurança cardiovascular e continuam tendo papel de suma importância no controle glicêmico destes pacientes. A decisão da prescrição das novas classes de drogas deve ser tomada após avaliação clínica minuciosa e identificação de particularidades que favoreçam ou desencorajam o uso destas medicações.
Os últimos 5 anos foram marcados por um inegável avanço no arsenal terapêutico, no desenvolvimento de tecnologias e especialmente na interação de saberes entre diferentes especialidades engajadas no cuidado dos pacientes portadores de DM. A visão do tratamento centrado apenas no controle glicêmico intensivo deve ceder lugar para uma abordagem multifatorial e centrada no paciente, marcada pela individualização das metas, pelo respeito às preferências pessoais, identificação das motivações e limitações de cada paciente, além da abordagem dos custos do tratamento e da possibilidade de garantia de aderência a longo prazo.
Dados científicos de alta qualidade evidenciaram que os ISGLT2 e análogos de GLP-1 reduziram de forma significativa o risco de eventos cardiovasculares, morte e progressão da doença renal crônica em pacientes diabéticos. Dados mais recentes também apontaram benefícios clínicos em pacientes com insuficiência renal crônica e insuficiência cardíaca, independente da presença de diabetes. Desta forma, estes resultados ampliam a importância dessas drogas e inauguram uma nova era de terapias modificadoras de desfechos cardiorrenais e metabólicos, unindo endocrinologistas, cardiologistas e nefrologistas. Os mecanismos dos efeitos protetores cardiorrenais ainda não foram completamente elucidados e estão sob intensa investigação.
Neste dia mundial do diabetes, o que parece inequívoco e que merece ser salientado é que a mudança do estilo de vida, a adoção de uma alimentação saudável e balanceada, a prática regular de atividade física, o controle do peso corporal, a cessação do tabagismo e o controle do estresse, reduzem o risco de diabetes e de suas complicações e ainda é, sem dúvidas, a estratégia mais custo efetiva.
Dra. Renata Peixoto, CRM 23260
1- DeFronzo RA, Ferrannini E. Insulin resistance. A multifaceted syndrome responsible for NIDDM, obesity, hypertension, dyslipidemia, and atherosclerotic cardiovascular disease. Diabetes Care. 1991;14(3):173-194.
2- Neal B, Perkovic V, Mahaffey KW, et al. Canagliflozin and Cardiovascular and Renal Events in Type 2 Diabetes. N Engl J Med. 2017;377(7):644-657
3- International Diabetes Federation. IDF Diabetes Atlas, 9th edn. Brussels, Belgium: 2019. Available at: http://www.diabetesatlas.org))
4- Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011;377(9781):1949-61
5- Wiviott SD, Raz I, Bonaca MP, et al. Dapagliflozin and Cardiovascular Outcomes in Type 2 Diabetes. N Engl J Med. 2019;380(4):347-357
6-McMurray JJV, Solomon SD, Inzucchi SE, et al. Dapagliflozin in Patients with Heart Failure and Reduced Ejection Fraction. N Engl J Med. 2019;381(21):1995-2008
7- Packer M, Anker SD, Butler J, et al. Cardiovascular and Renal Outcomes with Empagliflozin in Heart Failure. N Engl J Med. 2020;383(15):1413-1424.
8 -Pi-Sunyer X, Astrup A, Fujioka K, et al. A Randomized, Controlled Trial of 3.0 mg of Liraglutide in Weight Management. N Engl J Med. 2015;373(1):11-22
9- Marso SP, Daniels GH, Brown-Frandsen K, et al. Liraglutide and Cardiovascular Outcomes in Type 2 Diabetes. N Engl J Med. 2016;375(4):311-322.
10- Marso SP, Bain SC, Consoli A, et al. Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Patients with Type 2 Diabetes. N Engl J Med. 2016;375(19):1834-1844.
11 – Gerstein HC, Colhoun HM, Dagenais GR, et al. Dulaglutide and cardiovascular outcomes in type 2 diabetes (REWIND): a double-blind, randomised placebo-controlled trial. Lancet. 2019;394(10193):121-130)
17 de junho de 2021
Gratuidade para o segundo estacionamento, em um mesmo dia de uso
23 de agosto de 2020
Febre Chikungunya
20 de dezembro de 2018
Distrofia Muscular de Duchenne (DMD)
15 de junho de 2018
Avanço nas técnicas laparoscópicas é aliado no combate ao câncer de rim
25 de abril de 2018
Conheça mais sobre Epilepsia